Daniel Souza Luz*
Harmony Korine era um skatista
adolescente interessado em cinema vivendo em Nova Iorque quando chamou a
atenção do fotógrafo Larry Clark, que desejava dirigir um filme, em meados dos anos
1990. A pedido de Clark, Korine escreveu um roteiro sobre a percepção da vida
que ele e seus contemporâneos levavam. O resultado explosivo foi Kids, cujo tom
documentário sobre a propagação da AIDS entre adolescentes que faziam sexo
desprotegido deixou críticos boquiabertos, suscitando tamanho debate que se
tornou um cult movie, utilizado até hoje em palestras sobre a prevenção da
doença. Clark dirigiu mais alguns roteiros de Korine, mas a opinião pública foi
tão mobilizada por Kids que Korine conseguiu seguir seu próprio caminho como
cineasta.
Decidido a aprofundar esta
estética crua – influenciado, entre outros, pelo filme brasileiro Pixote –
Harmony Korine fez filmes provocativos como Gummo, Julien Donkey-Boy e Mister
Lonely, cujas estruturas narrativas nada convencionais lhe renderam a admiração
de diretores que são lendas vivas, tais como Bernardo Bertolucci e Werner
Herzog. Este último ficou tão impressionado que passou a atuar em seus filmes.
No entanto, Mister Lonely, um filme mais refinado e sutil, foi uma produção
cara para os padrões independentes do cineasta e que redundou em fracasso de
público. Consequência: Korine radicalizou de vez sua proposta em 2009. O
resultado é Trash Humpers, filmado em poucos dias em velhas fitas cassetes
analógicas e editado em videocassete, com todas as falhas de imagem decorrentes
deste processo.
A ideia: um bando de
desajustados, vestidos com máscaras de idosos, filma seus atos de vandalismo
por Nashville, Tennessee, interior dos Estados Unidos e cidade natal do cineasta,
onde ele testemunhou fatos semelhantes. O longa-metragem resultante é como se
alguém encontrasse uma fita cassete com filmagens sobrepostas e aleatórias de
vários desses crimes ou bizarrices. Korine optou pelo vídeo para filmar
rapidamente, usando seu irmão, esposa e amigos como atores, mas também por
desprezo à obsessão pela alta definição de câmeras digitais e porque as fitas
analógicas têm “uma estranha beleza... há algo de sinistro nelas”. E Trash
Humpers é um filme sinistro. Recomendado apenas para cinéfilos interessados em
filmes experimentais e os fãs do diretor – entre os quais me incluo. Pois,
paradoxalmente, ao rejeitar conscientemente o hiperrealismo da violência
estilizada de Hollywood, Trash Humpers impacta mais, pois nem tudo são pequenos
crimes. A violência, ainda que só sugerida em corpos estendidos, e não se sabe
se os personagens foram assassinados ou não pelos protagonistas, é
absolutamente mais chocante do que quaisquer efeitos especiais de blockbusters,
porque, justamente, são imagens amadoras.
Embora não seja o objetivo
declarado, Korine agride mais o espectador do que, por exemplo, o celebrado
cineasta alemão Michael Haneke, que explicitamente tem essa intenção. Ainda
assim, em desabafos e monólogos que os perversos protagonistas registram de
agregados e até de um deles mesmos, há belos insights sobre a busca de um
sentido para a vida. Tudo, sempre, acompanhado de risadas de desprezo dos
vândalos mascarados. Um registro de decadência e degeneração, Trash Humpers é
niilista e talvez um reflexo da profunda crise econômica que abateu os Estados
Unidos à época. Interessantemente, também é uma homenagem terna a quem se reúne
por paixão para fazer filmes amadores. Quem conhece o curta sem título que Kurt
Cobain, o falecido líder do Nirvana, filmou em super-8 com amigos nos anos 1980
sabe do que estou falando e reconhecerá várias semelhanças. Ressalto: por isso
mesmo, é preciso se armar de paciência e interesse pelo contexto em que a obra
foi feita para assistir ao filme, que além de ser incômodo tem várias passagens
de tempo morto, por mimetizar uma fita com filmagens feitas a esmo.
Trash Humpers será exibido pelo
cineclube Luz, Câmera, Reflexão do Instituto Cultural Cia Bella de Artes
(ICCBA) na próxima terça, 17 de abril de 2012, às 20:00 horas, no Teatro
Nicionelly Carvalho, no ICCBA. A curadoria do cineclube é dos professores Lucas
Marciano e Rozana Maris Faro, com colaboração do professor Hevisley Ferreira. O
cineclube do ICCBA é parceria com o Sinpro (Sindicato dos Professores do Estado
de Minas Gerais) e a UJS. A idade mínima recomendada para assistir aos filmes é
de 18 anos. O Instituto Cultural Cia Bella de Artes fica à Rua Prefeito Chagas,
305, Pilotis, Centro Empresarial Manhattan. Mais informações: 3715-5563.
*Daniel Souza Luz é jornalista e ex-curador do cineclube Luz, Câmera,
Reflexão.
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